quarta-feira, 25 de junho de 2014

Movimento Arte Nova em Portugal



Nas várias publicações deste blog falou-se ocasionalmente no movimento Arte Nova e a sua presença em Portugal. A inspiração para este tema, pelo qual tenho uma ternura e paixão, suscitou-me partilhar com todos vós a influência que este movimento artístico teve entre nós.

A sua presença foi quase obliterada, conscientemente ou não, durante décadas, apoiada no menosprezo que alguns críticos de arte portugueses manifestaram até finais do século XX. A Arte Nova portuguesa merece reconhecimento e sobretudo ser publicitada no estrangeiro, pelo seu carácter individual e original. Este tema levou-me a desenvolver a tese de mestrado, em 2011 na Universidade Lusíada de Lisboa, onde foquei essencialmente o contributo que o arquitecto Álvaro Augusto Machado e o pintor José António Jorge Pinto tiveram para a Arte Nova portuguesa, focando igualmente outros arquitectos e artistas. O seu trabalho irá ser uma vez mais exposto nesta publicação, mas antes de mais é preciso fazer uma pequena introdução.



A Arte Nova surge em Portugal nos finais do século XIX e prolonga-se até meados da década de 10 do século XX, com influências alemãs, austríacas e francesas, entre outras, mas salientando sempre o seu cunho português.

A questão do Ultimatum em 1890 fez renascer um ideal, imbuído nos princípios da nacionalidade. É neste contexto que as referências à arquitectura e estilizações do românico surgem como uma afirmação nacionalista, por uma geração descontente e com o desejo latente de evoluir e abraçar a modernidade.




Grupo de arquitectos a almoçarem, após uma excursão ao Palácio Nacional de Queluz, organizada antes de Junho de 1910 pela Sociedade dos Architectos Portuguezes. No tecto estão suspensos dois magníficos exemplares de candeeiros a petróleo, tendo o do centro velas com as respectivas bobèches.
Os fotografados, da esquerda para a direita (apenas os homens) são:

- senhor não identificado;
- Adolfo António Marques da Silva;
- senhor não identificado;
- José Alexandre Soares;
- Alfredo de Ascenção Machado (no topo da mesa);
- senhor não identificado;
- João Lino de Carvalho;
- senhor não identificado;
- Francisco Carlos Parente da Silva;
- Álvaro Augusto Machado (sentado à mesa);
- senhores não identificados;
- Rosendo Garcia de Araújo Carvalheira (sentado a ler um jornal, cujo título foi propositadamente rasurado).

Alguns destes arquitectos elaboraram projetos de arquitecura, onde as influências à Arte Nova são evidentes, que mais à frente iremos abordar.
Na inscrição original não há nenhum dado sobre a localização deste almoço, nem dos indivíduos fotografados, mas uma análise mais atenta pode-se concluir que se trata do almoço da Excursão ao Palácio Nacional de Queluz, cuja reportagem foi publicada no Annuario Sociedade dos Architectos Portuguezes 1909 a 1910.

Sobre a biografia e obra da maioria destes arquitectos podem consultar a Raízes e Memórias n.º 29, onde elaborei um artigo extenso.

Fotografia de José Artur Leitão Bárcia retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.



O trabalho desenvolvido pelo arquitecto Álvaro Augusto Machado e o pintor José António Jorge Pinto são emblemáticos desse período, sobretudo no projeto para o Colégio feminino de Madame Anne Roussel, na então Avenida Ressano Garcia, em 1904 a 1905.




Colégio feminino de Madame Anne Roussel, ilustração retirada da obra Álvaro Machado, Primeiro Professor de Arquitectura do IST, Exposição do Espólio Doado.



Neste projeto o arquitecto deixa-se levar exacerbadamente pelas referências à arquitectura medieval, sobretudo a românica. A manipulação das formas não atinge a mesma qualidade demonstrada em projetos anteriores e posteriores a este, mas são os extraordinários padrões em azulejo do pintor José António Jorge Pinto que vão realçar as formas arquitectónicas.
O pintor desenvolveu seis padrões exteriores (um foi lamentavelmente destruído e encontra-se desaparecido) e um interior, todos em azulejo.




Padrão em azulejo do piso térreo, a maioria desapareceu nas obras de adaptação desse piso a estabelecimentos comerciais. As referências celtas são evidentes nas estilizações.




Padrão da varanda coberta do primeiro andar. As influências românicas são flagrantes, sobretudo se compararmos este exemplar à iluminura do Apocalipse do Lorvão.



Todos estes motivos ancestrais são quebrados por uma modernidade notável, dando a percepção de movimento. A geometria e cores contrastantes aproximam-se da Arte Nova alemã ou austríaca, mas o eterno azul confere aquele carácter português tão característico da nossa azulejaria.
No interior o pintor explora outras cores, ricas e suculentas, ao desenvolver os padrões para o grande refeitório do colégio.




Lambris em azulejo no antigo refeitório.

Este conjunto notável revela uma beleza incomparável, demonstrando a habilidade que José António Jorge Pinto teve para se adaptar ao projecto de Álvaro Machado.
No interior havia pinturas decorativas que seguiam as mesmas estilizações dos painéis em azulejo, no vestíbulo principal e salão de festas.




Vestíbulo principal (em cima) e salão de festas (em baixo) fotografados em 1909. No vestíbulo havia um gracioso candeeiro a gás, que entretanto foi substituído.
As fotografias são da autoria do fotógrafo Achilles e foram retiradas da revista A Architectura Portugueza 2º ano n.º 3.

Neste projeto as referencias à Arte Nova são evidentes, mas há outros exemplares que foram igualmente contagiados, embora de forma menos original.




Casa Manuel José Ferreira Alegria, já demolido, e projecto do construtor civil Hermenegildo Augusto de Faria Blanc (1902).

Fotografia de Paulo Guedes retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.



Neste edifício, onde as influências do chalet burguês são evidentes, a Arte Nova envolve a extraordinária escadaria e varanda exterior, conferindo elegância e modernidade ao conjunto.
A maioria dos edifícios de habitação, alguns de má qualidade arquitetónica, foram embelezados por originais faixas em azulejo de padrão Arte Nova. A sua difusão pelo país é inacreditável, o que revela a aderência que o público em geral teve pelo seu cromatismo e decoração eficazes.




Padrão em azulejo numa moradia em Cruz Quebrada.

Os estabelecimentos comerciais aderiam igualmente ao movimento, mas por causa do sabor da moda e de renovação, muitos desapareceram.




Estabelecimento de ferragens Viuva Thiago da Silva & C.ª, no Rossio, Lisboa. O magnífico toldo em ferro forjado ao gosto Arte Nova é notável.

Fotografia de Joshua Benoliel retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.




Florista Jardim do Chiado, Rua Nova do Carmo, Lisboa. Os painéis publicitários e as ferragens dos candeeiros exteriores a gás, seduzem o transeunte.

Fotografia de Joshua Benoliel retirada novamente do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.




Garage Parisiense, Rua Andrade Corvo, Lisboa. Os painéis publicitários em azulejo no gosto Arte Nova, com os seus caracteres, estilizações e representações, adaptavam-se à arquitectura.



Fotografia de Alberto Carlos Lima retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.





Na próxima publicação iremos abordar mais sobre a Arte Nova em Portugal, por agora ficam aqui estes exemplares.