terça-feira, 8 de julho de 2014

Movimento Arte Nova em Portugal, continuação



O grafismo Arte Nova, de criação portuguesa, surge por volta de 1899 nas diferentes publicações periódicas que existiam.

A renovação estilística, em 1906, da famosa Illustração Portugueza trouxe um vaporoso fôlego. Nela colaboraram designers gráficos como M C Espis, Alonso, Santos-Silva e Cândido, entre outros. O cromatismo e linhas sinuosas são evidentes nos dois exemplares abaixo.




Capa da Illustração Portugueza, n.º 3 da, datado de 12 de Março de 1906. As vestes moldam-se ao corpo sinuoso da figura feminina. O erotismo é evidente, realçado pelos tons dourados e cinzentos. Colecção do autor.




Capa da Illustração Portugueza n.º 34, datada de 15 de Outubro de 1906. Na capa foram fotografados os deputados republicanos, eleitos por Lisboa, nesse ano. Colecção do autor.



O desenvolvimento da volumetria, nomeadamente na exploração do espaço e tirando partido de enquadramentos exteriores. A adaptação ao terreno, pela topografia, e exposição solar são os principais pontos de inovação patentes em muitos exemplares arquitectónicos.




Casa da Pedreira, do arquitecto Raúl Lino da Silva em Sintra. Os espaços adaptam-se ao terreno, de forma a tirar partido das vistas, harmoniosamente. Imagem retirada do n.º 387 da revista Illustração Portugueza, datada de 30 de Março de 1908. Colecção do autor.



O movimento Arte Nova surge, em Portugal, na mesma altura que o da casa à portugueza, integrando-se notavelmente. A cultura nacional, desprezada e desvalorizada durante o século XIX, ganha novo apreço, apoiada pela aristocracia, pela burguesia emergente e pelos intelectuais.



No Alto do Estoril, em 1907, o arquitecto Álvaro Augusto Machado projectou um conjunto de moradias, para si e para o médico psiquiatra José Caetano de Sousa Pereira de Lacerda. Este conjunto notável integra elementos da casa à portugueza, manipulação volumétrica original, uso de materiais inovadores e azulejaria, da autoria do famoso pintor José António Jorge Pinto.
O primeiro projecto é a casa do referido médico. Esta moradia envolve-se extraordinariamente num jardim, dividido em dois patamares. A entrada principal fica recuada em relação ao muro, num pórtico, criando assim diferentes níveis de privacidade até ao interior da habitação. O volume a Poente era o Jardim de Inverno, infelizmente rebocado e fechado. O seu desenho arquitectónico tem semelhanças com a arquitectura Arte Nova alemã e belga, onde se empregou o tijolo sílico-calcário.
A fachada principal projecta-se do corpo principal para o jardim, virada a Sul. No piso térreo tem uma loggia, com arcos, o escritório e um mirante com varanda. A assimetria é visível na disposição dos vãos.
A manipulação volumétrica é inovadora, fazendo deste exemplar um dos melhores edifícios deste período.




Casa Doutor José de Lacerta em 1910, duas perspectivas. Fotografias de Achilles publicadas na revista A Architectura Portugueza, n.º 6.




Na sala de jantar o mobiliário foi desenhado por Álvaro Machado ao gosto Arte Nova. Na toalha da mesa o padrão, provavelmente bordado, tem estilizações de flores Arte Nova. No tecto podemos observar um candeeiro a gás. Fotografia de Achilles publicada na mesma revista e número anterior.


 
O Doutor José Caetano de Sousa Pereira de Lacerda encomendou ao mesmo arquitecto o projecto para um bairro. Num lote quadrangular foram propostas habitações do Typo 1, 2 e 3, só estas últimas foram construídas e infelizmente foram descaracterizadas. Neste bairro, que se chama de Roseiras, o arquitecto explora a volumetria de forma ordenada. Estas habitações destinavam-se a veraneantes e de rendimento para o seu proprietário.




Habitações do Typo 3 que foram construídas. Fotografia de Achilles publicada na revista A Architectura Portugueza, n.º 7.



O arquitecto além desta encomenda construiu duas habitações para si. O projecto que deu entrada, na Câmara Municipal de Cascais em 1907, difere da versão construída.
Num pequeno lote Álvaro Machado agrupou as duas moradias simetricamente entre si, formando um par, e os motivos da azulejaria contribuíam para uma assimetria. O avanço da chaminé da cozinha, no alçado principal, cria uma ilusão de escala a estas duas pequenas moradias.




Casas Álvaro Machado em 1910, duas perspectivas. Fotografias de Achilles publicadas na revista A Architectura Portugueza, n.º 7.



A arquitectura foi realçada pelos singulares painéis em azulejo do pintor José António Jorge Pinto, ao gosto Arte Nova. O pintor elaborou diversos padrões, figuras estilizadas humanas e animais de grande qualidade plástica. Uma das moradias infelizmente perdeu a maioria dos exemplares.




Padrões em azulejo nas Casas Álvaro Machado, fotografias do autor datadas de 2010.




Na obra do arquitecto encontramos um projecto anterior, datado de 1902, para a Casa Júlio César de Mouta e Vasconcelos em Benfica, Lisboa.
A moradia era composta por dois volumes, um horizontal no qual inclui um vertical. As linhas modernas, sistema complexo de coberturas e outros pormenores, foram aperfeiçoados nos projectos descritos anteriormente. O edifício não foi construído, conforme se estabeleceu na investigação realizada em 2011.




Casa Júlio César de Mouta e Vasconcelos, alçado principal, tardoz e lateral.



Na cidade de Lisboa vamos encontrar outro projecto, de 1905, para a Senhora Dona Olympia de Macedo Branco. A manipulação volumétrica, desenho arquitectónico sóbrio e distribuição espacial interna eficaz foram habilmente conjugados pelo arquitecto.




Casa Senhora Dona Olympia de Macedo Branco.

Fotografia de Paulo Guedes retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.



A moradia foi construída num lote de gaveto, entre a Avenida da República e Visconde de Valmor, no mesmo ano que a Casa Viscondessa de Valmor, projecto do arquitecto Miguel Ventura Terra. As duas moradias têm semelhanças entre si. A entrada principal funciona como uma antecâmara, cingida pelas fachadas e gradeamentos, com a fachada principal a 45º em relação às laterais. Esta fachada estava recuada em relação aos arruamentos, solução engenhosa, a qual cria uma eficaz relação público/privado. Apesar destas semelhanças os dois projectos diferem em muitos outros aspectos (distribuição espacial, relação com jardins, entre outros), os quais foram abordados durante a dissertação de mestrado, realizada em 2011 na Universidade Lusíada de Lisboa.




Casa Viscondessa de Valmor. Os azulejos, ao gosto Arte Nova, têm ziguezagues e estilizações de flores, os quais conferem ritmo.

Fotografia de Paulo Guedes retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.




No interior de um dos salões podemos observar a coexistência da luz eléctrica com gás, lado direito, em 1909. Fotografia de Achilles publicada na revista A Architectura Portugueza, n.º 6 desse ano.



Na obra do arquitecto Manuel Joaquim Norte Júnior as referências à Arte Nova são uma constante neste período.
Na casa e atelier do pintor José Vital Branco Malhoa, em 1904, o arquitecto coordena quatro volumes entre si, de forma admirável. O atelier, com galeria, era o principal espaço desta moradia, evidenciado pelo grande janelão virado e Norte e volume que o contém.




Casa e atelier José Vital Branco Malhoa, que obteve o Prémio Valmor de 1905.

Fotografia de Paulo Guedes retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.



A azulejaria, não é original da época de construção do edifício, e foi realizada por José António Jorge Pinto. O pintor inspirou-se nas pinturas a fresco originais ao executar estes exemplares, provavelmente em 1914, conforme foi estabelecido durante o mestrado.
Nos edifícios projectados por Manuel Joaquim Norte Júnior o recurso a pinturas a fresco, ao gosto Arte Nova, pretendiam imitar o azulejo. O pintor Gabriel Constante participou em algumas obras, nomeadamente na Casa Nuno Pereira de Oliveira, na Praça Duque de Saldanha, em Lisboa. A moradia foi projectada em 1910, obtendo a 5ª Menção Honrosa do Prémio Valmor de 1912.




Casa Nuno Pereira de Oliveira. As pinturas a fresco desapareceram.



Fotografia de Joshua Benoliel retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.





O movimento Arte Nova teve um papel de relevo em Portugal, como ficou exemplificado nestes exemplares.

Na próxima publicação iremos abordar um singular candeeiro a petróleo, deste período, com um magnífico Matador Brenner 20´´´da manufactura berlinense Ehrich & Graetz.

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