No ano
passado entrei numa loja de velharias e quinquilharia, à procura de peças para
candeeiros. Na loja tinham algumas chaminés, alguns quebra-luzes e candeeiros,
na maioria em vidro opaco. No fundo de uma prateleira estava um em metal.
Peguei nele e verifiquei que o queimador estava partido. Tem nas duas faces um
medalhão, ladeado por dois peixes em relevo. A cena em cada medalhão é um barco,
com dois homens encapuçados e com dois remos. O fundo é dois navios à vela,
tendo o do lado esquerdo só uma vela. Achei piada ao candeeiro por causa dos
motivos marítimos, associei-o a Portugal, por causa do mar e dos motivos
estilizados. Deixei o candeeiro na loja e fui-me embora.
Esqueci-me
do candeeiro e passados uns meses fiz o abat-jour
em cartão com o título L`Hiver au Pole-Nord, da Imagerie d'Épinal e já publicado aqui.
Neste verão
comprei um queimador Kosmos, no tamanho 10, da manufatura alemã Brökelmann, Jäger und Busse GmbH & Co,
numa feira de rua.
Tinha
estes objetos soltos quando, de repente, os associei ao candeeiro da tal loja
de velharias. A minha preocupação era o queimador ser no tamanho 8 ou noutro
qualquer, o que impossibilitaria que se enroscasse o queimador que tinha
comprado na feira.
No dia
seguinte passei na loja e ainda lá estava o candeeiro, quase um ano depois de
ter lá estado. Estava na mesma prateleira esquecido e no mesmo estado.
Peguei
novamente nele e num átimo associei logo o abat-jour.
Verifiquei se tinha marcas, se tinha um reservatório em vidro (na altura não me
pareceu que tivesse) e outros pormenores. Pus o dedo no fundo do reservatório e
como estava com sujidade pareceu-me metálico e o candeeiro ser uma peça única. Não
estava com buracos, como alguns que aparecem no mercado e outras imperfeições. Nesse
dia, ao sair de casa, tinha-me esquecido do queimador para verificar a medida
de rosca.
O candeeiro
é comum mas, com aquele abat-jour
ganhava logo outra graça. Perguntei quanto era e pedi para mo reservarem.
No dia
da compra tinha levado dois queimadores, entre eles o que tinha comprado da Brökelmann,
Jäger und Busse. Desenrosquei o
original e enrosquei este último. Felizmente são do mesmo tamanho. Outra coisa
que constatei foi que de facto o reservatório é em vidro. Como a tampa estava
colada à base não se notava.
O primeiro passo ao chegar a casa foi lavar o
candeeiro. Para o desengordurar e tirar toda a sujidade. A tampa com o
reservatório saiu e no interior tinha papéis de jornal, para dar altura e apoio
ao reservatório. Este tinha uma camada grossa de gesso pouco usual. O que
aconteceu foi que a determinada altura o reservatório soltou-se do gesso, daí
ter sido posta uma camada por cima da original. O reservatório tinha ficado mal
colado. No outro dia mergulhei-o em água e com muito cuidado removi todo o
gesso. Depois foi fazer gesso novo e colar.
O próximo passo foi pensar qual o tipo de
revestimento mais adequado. Depois de ouvir algumas sugestões optei por uma cor
escura e o candeeiro ficou impecável e próximo ao original.
A nível dos queimadores foi uma feliz coincidência.
O original também foi fabricado pela Brökelmann, Jäger und Busse. Ambas as
marcas são do período posterior a 1895 até cerca de 1920.
O candeeiro é uma junção curiosa de temas.
Como foi dito as cenas principais são alusivas ao
mar, à faina e aos peixes. Os respetivos medalhões têm folhas estilizadas. No topo
há uma corda e o remate superior tem conchas. Este é o corpo principal do
candeeiro. A este corpo foi fundida a base mas, com temas diferentes. A base
tem peixes e aves (parecem ser patos), entre tabuas, como se estivessem nas margens
de um lago, de um rio ou do mar. Estas estilizações coadunam-se com as da tampa.
Esta tem motivos estilizados de folhas, bagas, intercaladas por cabeças de cão
de caça e javalis. Como estes candeeiros eram fabricados em larga escala,
trocavam os moldes entre si, criando assim uma infinidade de peças. A
preocupação na sua conjugação correta não parece ter sido determinante no
produto final. Os nossos homens no barquinho podiam estar a aproximar-se das
margens, onde possivelmente iriam pescar ou caçar.
Numa pesquisa pela internet encontrei um queimador
com uma tampa igual à deste. A base tem estilizações e cabeças de gato. O corpo
principal tem simbologia maçónica, envolta por estilizações ao gosto
setecentista. A cor do revestimento é também escura mas, num tom mais
acobreado. O reservatório não é o original, tendo sido substituído por um
frasco comum de vidro. O candeeiro não tem queimador.
Noutra pesquisa encontrei um candeeiro com as
mesmas proporções que os anteriores e um queimador arruinado da Brökelmann,
Jäger und Busse. A cena principal é uma mulher e uma rapariga a fiarem.
Estes candeeiros são exemplificativos da produção em
massa. O zinco é um metal maleável, de baixo custo e perfeito para se criarem
um sem fim de modelos. O revestimento podia ser metálico, no caso de candeeiros
de melhor qualidade, ou pintado, como os atrás descritos.
No mercado nacional geralmente estes candeeiros são
descritos como bronze de arte. Ainda está por apurar a correta atribuição na
nossa língua para este tipo de metal. Nos catálogos de época estrangeiros são
descritos como de zinco ou imitação de bronze. Eram e são candeeiros comuns
mas, os preços praticados entre nós são, em alguns casos, injustificados para a
sua qualidade.
O candeeiro no dia da compra após a primeira
limpeza (três ilustrações).
O reservatório durante a limpeza e colagem.
O candeeiro depois do restauro (seis ilustrações).
O candeeiro com o abat-jour e respetivo
suporte pela chaminé (cinco ilustrações).
Os queimadores Kosmos da manufatura Brökelmann,
Jäger und Busse, publicados por Jacques Goldberg, em 1906, na obra Die
Deutsche Lampe. O design é o que se aproxima mais dos
queimadores em questão.
Os queimadores Kosmos da manufatura Brökelmann,
Jäger und Busse, publicados pelo mesmo autor mas, em 1911, na obra Die
Deutsche Lampe. O design é ligeiramente diferente na
galeria.
O candeeiro
com referências maçónicas, em zinco, e com a mesma tampa (duas ilustrações).
Ilustrações
retiradas da internet.
O candeeiro
com figuras femininas a fiarem.
Ilustração
retirada da internet.
Bom trabalho, admiro a sua paciência no restauro deste tipo de candeeiros. Mas o resultado final é excelente. Só não entendi bem é como se segura o abajour à chaminé !!
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