Nas
várias publicações deste blog
falou-se ocasionalmente no movimento Arte Nova e a sua presença em Portugal. A
inspiração para este tema, pelo qual tenho uma ternura e paixão, suscitou-me
partilhar com todos vós a influência que este movimento artístico teve entre
nós.
A sua
presença foi quase obliterada, conscientemente ou não, durante décadas, apoiada
no menosprezo que alguns críticos de arte portugueses manifestaram até finais
do século XX. A Arte Nova portuguesa merece reconhecimento e sobretudo ser
publicitada no estrangeiro, pelo seu carácter individual e original. Este tema
levou-me a desenvolver a tese de mestrado, em 2011 na Universidade Lusíada de
Lisboa, onde foquei essencialmente o contributo que o arquitecto Álvaro Augusto
Machado e o pintor José António Jorge Pinto tiveram para a Arte Nova
portuguesa, focando igualmente outros arquitectos e artistas. O seu trabalho
irá ser uma vez mais exposto nesta publicação, mas antes de mais é preciso
fazer uma pequena introdução.
A Arte
Nova surge em Portugal nos finais do século XIX e prolonga-se até meados da
década de 10 do século XX, com influências alemãs, austríacas e francesas,
entre outras, mas salientando sempre o seu cunho português.
A
questão do Ultimatum em 1890 fez
renascer um ideal, imbuído nos princípios da nacionalidade. É neste contexto
que as referências à arquitectura e estilizações do românico surgem como uma
afirmação nacionalista, por uma geração descontente e com o desejo latente de
evoluir e abraçar a modernidade.
Grupo de
arquitectos a almoçarem, após uma excursão ao Palácio Nacional de Queluz, organizada
antes de Junho de 1910 pela Sociedade dos
Architectos Portuguezes. No tecto estão suspensos dois magníficos
exemplares de candeeiros a petróleo, tendo o do centro velas com as respectivas
bobèches.
Os
fotografados, da esquerda para a direita (apenas os homens) são:
-
senhor não identificado;
-
Adolfo António Marques da Silva;
-
senhor não identificado;
- José
Alexandre Soares;
-
Alfredo de Ascenção Machado (no topo da mesa);
-
senhor não identificado;
- João
Lino de Carvalho;
-
senhor não identificado;
- Francisco
Carlos Parente da Silva;
-
Álvaro Augusto Machado (sentado à mesa);
-
senhores não identificados;
- Rosendo
Garcia de Araújo Carvalheira (sentado a ler um jornal, cujo título foi
propositadamente rasurado).
Alguns
destes arquitectos elaboraram projetos de arquitecura, onde as influências à
Arte Nova são evidentes, que mais à frente iremos abordar.
Na
inscrição original não há nenhum dado sobre a localização deste almoço, nem dos
indivíduos fotografados, mas uma análise mais atenta pode-se concluir que se
trata do almoço da Excursão ao Palácio Nacional de Queluz, cuja reportagem foi
publicada no Annuario Sociedade dos
Architectos Portuguezes 1909 a 1910.
Sobre
a biografia e obra da maioria destes arquitectos podem consultar a Raízes e Memórias n.º 29, onde elaborei
um artigo extenso.
Fotografia
de José Artur Leitão Bárcia retirada do site
de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.
O
trabalho desenvolvido pelo arquitecto Álvaro Augusto Machado e o pintor José
António Jorge Pinto são emblemáticos desse período, sobretudo no projeto para o
Colégio feminino de Madame Anne Roussel, na então Avenida Ressano Garcia, em
1904 a 1905.
Colégio
feminino de Madame Anne Roussel, ilustração retirada da obra Álvaro Machado, Primeiro Professor de
Arquitectura do IST, Exposição do Espólio Doado.
Neste
projeto o arquitecto deixa-se levar exacerbadamente pelas referências à
arquitectura medieval, sobretudo a românica. A manipulação das formas não
atinge a mesma qualidade demonstrada em projetos anteriores e posteriores a
este, mas são os extraordinários padrões em azulejo do pintor José António
Jorge Pinto que vão realçar as formas arquitectónicas.
O
pintor desenvolveu seis padrões exteriores (um foi lamentavelmente destruído e
encontra-se desaparecido) e um interior, todos em azulejo.
Padrão
em azulejo do piso térreo, a maioria desapareceu nas obras de adaptação desse
piso a estabelecimentos comerciais. As referências celtas são evidentes nas
estilizações.
Padrão
da varanda coberta do primeiro andar. As influências românicas são flagrantes,
sobretudo se compararmos este exemplar à iluminura do Apocalipse do Lorvão.
Todos
estes motivos ancestrais são quebrados por uma modernidade notável, dando a
percepção de movimento. A geometria e cores contrastantes aproximam-se da Arte
Nova alemã ou austríaca, mas o eterno azul confere aquele carácter português
tão característico da nossa azulejaria.
No
interior o pintor explora outras cores, ricas e suculentas, ao desenvolver os
padrões para o grande refeitório do colégio.
Lambris
em azulejo no antigo refeitório.
Este
conjunto notável revela uma beleza incomparável, demonstrando a habilidade que
José António Jorge Pinto teve para se adaptar ao projecto de Álvaro Machado.
No
interior havia pinturas decorativas que seguiam as mesmas estilizações dos
painéis em azulejo, no vestíbulo principal e salão de festas.
Vestíbulo
principal (em cima) e salão de festas (em baixo) fotografados em 1909. No
vestíbulo havia um gracioso candeeiro a gás, que entretanto foi substituído.
As
fotografias são da autoria do fotógrafo Achilles
e foram retiradas da revista A Architectura
Portugueza 2º ano n.º 3.
Neste
projeto as referencias à Arte Nova são evidentes, mas há outros exemplares que
foram igualmente contagiados, embora de forma menos original.
Casa
Manuel José Ferreira Alegria, já demolido, e projecto do construtor civil
Hermenegildo Augusto de Faria Blanc (1902).
Fotografia
de Paulo Guedes retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.
Neste
edifício, onde as influências do chalet
burguês são evidentes, a Arte Nova envolve a extraordinária escadaria e varanda
exterior, conferindo elegância e modernidade ao conjunto.
A
maioria dos edifícios de habitação, alguns de má qualidade arquitetónica, foram
embelezados por originais faixas em azulejo de padrão Arte Nova. A sua difusão
pelo país é inacreditável, o que revela a aderência que o público em geral teve
pelo seu cromatismo e decoração eficazes.
Padrão
em azulejo numa moradia em Cruz Quebrada.
Os
estabelecimentos comerciais aderiam igualmente ao movimento, mas por causa do
sabor da moda e de renovação, muitos desapareceram.
Estabelecimento
de ferragens Viuva Thiago da Silva &
C.ª, no Rossio, Lisboa. O magnífico toldo em ferro forjado ao gosto Arte
Nova é notável.
Fotografia
de Joshua Benoliel retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de Lisboa.
Florista
Jardim do Chiado, Rua Nova do Carmo, Lisboa. Os painéis publicitários e as
ferragens dos candeeiros exteriores a gás, seduzem o transeunte.
Fotografia
de Joshua Benoliel retirada novamente do site de pesquisa da Câmara Municipal
de Lisboa.
Garage Parisiense, Rua Andrade Corvo, Lisboa. Os
painéis publicitários em azulejo no gosto Arte Nova, com os seus caracteres,
estilizações e representações, adaptavam-se à arquitectura.
Fotografia
de Alberto Carlos Lima retirada do site de pesquisa da Câmara Municipal de
Lisboa.
Na
próxima publicação iremos abordar mais sobre a Arte Nova em Portugal, por agora
ficam aqui estes exemplares.
Obrigado pois consegui encontrar mais uma foto do meu bisavô ARQ Rosendo Garcia de Araújo Carvalheira.
ResponderEliminarGostaria de saber se pode me informar onde posso saber mais sobre Rosendo Carvalheira?